7 de jun. de 2011

Sete

Escrito por Fabricio Cantarella
Gus estava em estado de êxtase, o pelotão no qual ele era monitor, o seu pelotão, o número 8, era o melhor daquela turma de novos recrutas. Estavam avançados uma semana em relação aos outros pelotões, iriam iniciar o treinamento prático de batalha no dia seguinte. O pelotão 8 iria terinar na selva, nas florestas que rodeavam a planície sul de Eyja, antes das montanhas que margeiam toda a ilha. Seu sonho de se tornar um herói de guerra estava indo bem, até agora ele conseguiu todos os méritos possíveis para um recruta. Billy, por sua vez, sentia-se empolgado, junto com Joseph, seu companheiro de batalhão e mais integrante do agora trio de amigos, dava o melhor de si nos treinamentos, aprendia tudo o que podia, principalmente como salvar vidas. Eles sabiam que teriam que matar soldados inimigos, Joseph parecia até satisfeito com isso, mas ambos tinham o desejo de poupar o máximo de vidas que conseguissem, inocentes ou não.

Na madrugada seguinte, às 4 da manha exatamente, o Sgto. White entrou no dormitório reservado ao pelotão número 8.

- Acordem suas mocinhas! Está na hora! Quero todos prontos e enfileirados la fora em dez minutos!

A calmaria que antes reinava no dormitório deu lugar ao caos, recrutas corriam dos beliches pro banheiro enquanto outros faziam o caminho inverso, uns procuravam as meias, outros os cuturnos que tinha deixado na janela para tomar um ar e um a um, eles iam saindo e tomando seus lugares na fileira. Gus, como manda o figurino dos monitores, foi o primeiro a ficar pronto e tomou o lugar do Sgto. White na cobrança.

- Andem logo! Temos menos de três minutos e ainda falta metade do pelotão pra sair!
- Já vai Gus! Espera aí.
- Quer que eu espere eu espero recruta, vou ali perguntar se o sargento espera também, ta?
- Não!
- Então anda logo infeliz!

Nos exatos dez minutos cedidos pelo Sgto. White, o pelotão 8 se reuniu, devidamente enfileirado, em frente ao dormitório. O sargento, nesse meio tempo, ja havia colocado, também em fileira e exatamente a frente aos recrutas, mochilas cheias de provisões e um par de armas, um facão e um fuzil, ao lado de cada mochila.

- Atenção, sentido!

O estalo de botas batendo e mãos colando ao lado do corpo ecoou pelo Comando, ainda dormente, do exército norte-americano na ilha de Eyja.

- Na frente dos senhores estão mochilas e armas, exatamente tudo o que precisam para os próximos dias na floresta. Dentro da mochila encontrarão mapaz, sacos de dormir, cantis de água, alguma ração e munição. O briefing da missão será passado conforme necessário, sempre ao monitor e ele repassará à vocês. Entendido?
- Sim senhor!
- Agora marcharemos em silêncio até a entrada da floresta à oeste, lá o monitor Fredricksen repassará as primeiras ordens.
- Sim senhor!

O pelotão seguiu marchando para oeste, em direção à floresta. Na frente ia o sargento, seguido por Gus que marchava três passos atrás de seu comandante e por último vinha o pelotão, dividido em duas fileiras de cinco recrutas, dois passos atrás do monitor Fredricksen. Todos marchavam em silêncio pelas ruas ainda desertas, o único barulho era o das botas batendo no chão, um barulho ritmado, quebrado vez ou outra por um carro que passava, perto ou longe. A entrada da floresta ficava a uns 5 km do Comando do exército, a floresta em si se estendia por mais ou menos umas duas centenas de quilômetros de profundidade até se encontrar com as montanhas, essa paisagem se estendia em torno de toda a costa da ilha de Eyja. Toda a entrada da floresta, onde esta se dividia com a urbanização, era fechada por um alambrado que se corria por toda sua extensão, com portões apenas em determinados lugares para uso exclusivo do exército. Ao chegar em um desses portões, enquanto o Sgto. White cuidava do cadeado e abria o pesado portão de ferro, Gus passou o primeiro briefing aos recrutas.

- Atenção pelotão! Vamos adentrar a floresta agora, todo cuidado é pouco pois armadilhas de verdade estão espalhadas por entre as árvores para simular ataques inimigos. Além disso, existem os perigos naturais que a própria natureza nos proporciona. A missão é simples, vamos avançar em marcha até a primeira base, localizada a uns 10 km floresta adentro. Se olharem no mapa que está dentro da mochila de vocês, o caminho está traçado em vermelho.


Vamos adentrar a floresta agora.


Enquanto todos tiravam os mapas da mochila, o Sgto. White terminou de abrir o portão.

- Muito bem recrutas, vamos! Os últimos fecham o portão!

Todos sairam marchando, uma marcha lenta, enquanto o portão era fechado pelos dois últimos recrutas do pelotão. Logo após passarem o portão, eles se encontraram em uma clareira pequena, com não mais que dez metros de comprimento e uma floresta fechada, escura a frente. Quando adentrou a floresta, o coração de Gus começou a bater mais rápido. “É o meu pelotão, meu grupo, eu sou o responsável pela vida de cada um deles.”. O Sgto. White, ja acostumado com o percurso, seguia rápido por entre as árvores enquanto os recrutas lutavam para passar por entre as plantas que fechavam o caminho. Os sons da floresta eram confusos, as vezes muito longe e logo em seguida muito perto, qualquer som era uma ameaça e muitas vezes as ameaças não emitiam som algum. Um recruta a frente de Billy avistou uma cobra passando de uma árvore para outra alguns passos para o lado e começou a suar, nervoso.

- Calma cara.
- Tenho medo de cobras, muito medo.
- Relaxa, fica calmo, estamos aqui para ajudar a manter o perigo longe.

Gus virou-se para encarar os recrutas.

- Parem com esse converseiro e continuem a marcha! E não quero saber de medinho por aqui!

A voz dele saia áspera, firme, quase como se qualquer falha que algum de seus comandados cometesse, qualquer medo que tivessem, fosse uma ofensa pessoal, uma vergonha para ele. Billy olhou para o amigo mas não recebeu nenhum sinal de que seu olhar havia sido levado em consideração, mas ele tinha certeza, havia sido notado. Gus estava frio, um verdadeiro militar, do jeito que sempre sonhara, mas esse sonho parecia suprimir aquele rapaz que gostava de futebol americano e almoçar com a família, Billy sentia como se estivesse conhecendo um outro Gus.

Eles caminharam por trilhas tortuosas, abriram caminho através da mata com os facões que lhes havia sido dado como parte da bagagem, atravessaram um riacho e se notaram que, à distancia, um felino os seguia, sorrateiro, quase imperceptível, reconhecendo quem eram aqueles que invadiam seu território e que ameaça representavam. Os soldados mativeram-se alertas durante todo o percurso, sabiam que o perigo naquela área vinha da natureza e que as armadilhas que simulariam ataques do inimigo estavam instaladas apenas depois da primeira base, aquela na qual eles passariam a noite.

Era quase metade do dia quando chegaram à primeira base, sem maiores problemas além do cansaço e da fome. Logo que adentraram os limites do acampamento o Sgto. White já colocou-os em posição de sentido.

- Recrutas, vocês tem duas horas para almoçar e descansar antes de iniciarmos os treinamentos da tarde.

A primeira base era nada mais que uma área circular, fechada com alambrado, no meio de uma clareira cercada por grandes árvores. Dentro do círculo, que tinha não mais que 30 metros de diâmetro havia uma tenda aberta com duas mesas grandes de madeira cercadas por vários bancos e, na ponta da tenda, um fogareiro para a preparação das refeições. Ao lado da tenda, uma área de chão plano indicava onde as barracas poderiam ser montadas e os sacos de dormir ser estendidos. O resto do acampamento era apenas uma área para treinamentos físicos e táticos, com algumas barreiras de feno e marcações para simular o front onde a batalha acontecia, no ponto central de Eyja. Todos se dirigiram à tenda e se sentaram às mesas para comerem suas rações, apenas à noite era preparada uma refeição simples pelo cozinheiro do pelotão. Billy foi se sentar ao lado de Gus.

- Está tudo bem cara? Você parece meio irritado.
- Não gosto de erros.
- Calma cara, ninguém cometeu erro algum...
- Mas o medo é uma porta de entrada para o pior tipo de erro, a hesitação. Não quero soldados do meu pelotão paralisados durante a batalha. Isso pode colocar uma operação toda em risco! Pode deixar inimigos vivos!!
- Ei Gus! Calma! Você está preocupado demais.
- Estou só fazendo meu trabalho Billy. Isso aqui é tudo o que eu sonhei, não quero que meu sonho seja estragado por ninguém, muito menos um soldadinho com medo.
- E se eu sentir medo em algum momento?
- Ninguém Billy, ninguém! Serei um herói nessa guerra, trarei a vitória e a hegemonia americana para Eyja.
- Não importa quem esteja no seu caminho...
- Não importa quem esteja no meu caminho!



Serei um herói nessa guerra, trarei a vitória e a hegemonia americana para Eyja.


Billy se levantou e foi encontrar Joseph que descansava encostado em uma das barreiras da área de treinamento.

- Se desentendeu com seu amigo monitor?
- Não foi nada. Ele só está perseguindo o sonho da vida dele.
- Perseguindo até demais?
- Talvez.
- Você tem medo de perder seu amigo, não é?
- Tenho medo dele se tornar alguém, ou melhor, se tornar ninguém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...