31 de mai. de 2011

Seis

Escrito por Fabricio Cantarella
“Hoje faz uma semana que estou em treinamento. As coisas são difíceis aqui, temos que aplicar tudo o que aprendemos para sobreviver, é algo tipo Esparta esse mundo. Sinto saudade dos meus pais, dos meus irmãos, imagino qual será o destino deles. Imagino qual será o meu destino, porque eu estou aqui? Será que...”

- Ei você! Já está na hora de dormir! Se eu te pegar acordada mais uma vez hoje você vai pra punição!
- Desculpe senhor.
- Dormir, já!

Dia seguinte. “Acordamos as cinco hoje e fomos para a costa oeste da ilha, tivemos que atravessar as montanhas até chegar a um posto do exército, em um vale cravado entre três montanhas, cada um por sí e o último a chegar pagava punição. Adivinha quem foi punido? Eu! A guarda da semana é minha. Mas valeu a pena, tenho tempo para escrever e encontrei uma praia maravilhosa, deserta. Fica bem na metade da ilha, atrás de todas as montanhas da costa oeste. Tem uma passagem muito estreita para chegar la, acho que ninguém vai naquela praia há uns bons anos. Mas é lindo, o mar é azul, cristalino e a areia é bem clara e fina, existem uns ninhos de gaivotas na ponta mais distante, mas não fui até lá. Quando encontrei a praia, por um erro nas minhas leituras de mapa, não consegui me mexer por uns cinco minutos, me senti em paz lá. Acho que consegui marcar o caminho, vai ser meu local secreto pra quando eu puder descansar desse treinamento.”


O mar é azul, cristalino e a areia é bem clara e fina...


- Onde está indo?
- Estou em guarda essa semana, punição, esqueceu?
- Ah, boa sorte.
- Haha, valeu. Mas relaxa, vai dar tempo pra eu ficar a toa um pouco.
- Quem vai fazer guarda com você?
- Ninguém, peguei guarda na guarita mais afastada.
- Mas ninguém tem coragem pra fazer guarda la!
- Bem, eu tenho.

E saiu andando, com aquela praia de areia branca e águas cristalinas na cabeça, pensando em quando ia poder voltar la, sentir novamente aquela paz, sentir-se quente mais uma vez, além de toda a frieza desse mundo de treinamentos e missões especiais para as quais seriam designados em apenas três semanas. Um mês de treinamento e logo seriam mandados à batalha, tudo era intenso, a adrenalina vivia aflorada e tudo era uma ameaça. Mas isso não alterava seu jeito de ser, a vontade de ficar em paz, em silêncio. Chegou na guarita, sentou-se e começou a divagar, pensar em momentos mais felizes. Passou a noite assim. Cochilou um pouco antes do amanhecer e acordou com o canto dos pássaros nas árvores da selva que ficava apenas 2 km à frente da guarita. O Comando onde treinava ficava na ponto mais afastado daquele lado da ilha, logo de frente com a floresta e as montanhas de delimitavam a planície onde a sociedade se desenvolvia. Era tudo muito calmo, poucas pessoas se aventuravam por aqueles lados, apenas alguns casais querendo um pouco de privacidade ou alguns garotos afim de algum barato, era o local perfeito. E ainda tinha mais quatro noites para passar la.

“Hoje fizemos apenas exercícios físicos pela manhã e tivemos teorias de batalha a tarde toda, estávamos em uns vinte e cinco na sala, depois de uma semana, era esse o número dos que ainda resistiam, mas as estatísticas diziam que até completarmos todas as quatro semanas, ainda diminuiria o número de sobreviventes. Aprendemos como nos comportar, como agir, aprendemos sobre armas, qual a melhor para cada situação e acho que amanhã teremos treinamento disso. Acho que depois de amanhã vou poder abrir o pacotinho que meu pai me deu antes de eu vir para cá, não sei porque, mas sinto isso. O bilhete que ele colocou junto dizia: ‘Abra APENAS quando se sentir em condições de lidar com seus medos.’. Medo, quais são meus medos? Não quero morrer agora, queria uma vida inteira, família, filhos, mas sinto que aqui, o único caminho que se abre para mim é o da morte rápida, ou não, dependendo nas mãos de quem eu cair. Mas depois de tudo o que já passei aqui, depois de encarar a tal morte, cara a cara, algumas vezes, me sinto com mais coragem. Ou talvez com menos medo.

A segunda noite passou como a primeira, tranquila. A praia deserta mais uma vez dominou os pensamentos, relaxou os músculos, desenrugou as têmporas, marcadas pelo stress diário em que vivia. Tudo ficava mais leve quando pensava naquela praia, uma sensação boa tomava conta, até um sentimento de ansiedade aparecia, como se aquela praia fosse mais que apenas um local bonito, como se aquela areia branca tivesse um papel importante em sua vida, um papel que afetaria mais do que apenas a calma que aquelas cores lhe transmitiam.

Como esperado, a tarde seguinte trouxe o treinamento de armas, desde as maiores e mais pesadas até as menores e mais discretas, não menos letais por isso. Treinaram em bonecos, as mais diferentes abordagens, modos de matar que fizeram cada um dos recrutas se perguntar como aquilo poderia ter surgido. E a morte estava cada vez mais próxima, quase que tocando o rosto coberto de espuma dos recrutas após cada boneco ser assassinado pela décima nona vez.
Na noite que seguiu o treinamento de armas, o pequeno pacote foi aberto. Antes, leu o bilhete mais uma vez, as palavras soaram diferentes nessa leitura, havia endurecido o suficiente para passar por cima daquela frase. Desenrolou com cuidado o papel pardo que cobria o conteúdo do pacote, fez tudo devagar, talvez por receio do que podia estar la dentro. Quando abriu a ultima folha de papel, a luz da única lâmpada que havia na guarita reluziu nos detalhes de metal de uma pequena bainha, em sua maior parte coberta de couro, com apenas as pontas coberta por metal, o punho da adaga que jazia dentro da bainha também era de couro, na ponta um círculo de metal. A lâmina se separava do punho por um anel dourado onde podia-se ler “fletë” e enrolado na lâmina, assim que esta foi desembainhada, mais um bilhete. “Esta é fletë, ela me escolheu quando eu entrei pro exército, já lhe contei essa história várias vezes para você dormir. Espero que ela te proteja como protegeu à mim.”.


Boa sorte, agora vai salvar Zelda.


A noite ia cada vez mais alta enquanto a história era lembrada. Dizia o conto que ele ia se apresentar ao exército e iniciar seu treinamento, a excitação misturava-se com o receio e ele não sabia o que viria pela frente. Naquela época, o treinamento era mais intenso, desumano alguns dizem; para ingressar na batalha real naquele exército de elite, devia-se enfrentar seus próprios companheiros em batalhas sangrentas para garantir sua vaga nas fileiras que rendiam mais glórias a seus soldados. Quando chegou no local, ele percebeu que era o único desarmado, todos já possuíam armas grandes, fortes, feitas especialmente para cada um deles, algumas até fabricadas pelo próprio soldado que a empunhava, mas ele não possuía nada. O comandante, talvez com piedade, mas sob o pretexto de não o deixar tão em desigualdade, levou-o para a sala de armas do exército e disse-lhe que escolhesse uma. Na sala existiam algumas espadas imponentes, alguns porretes, pistolas e até lanças, e em cima de uma mesa, do lado das espadas, estava fletë, a única adaga daquela sala. Quando bateu o olho nela, ele tinha certeza de que aquela era a arma feita para ele. E ele sobreviveu ao treinamento, derrotou quem tinha que derrotar apenas com aquela adaga e se tornou glorioso nas fileiras do exército. Agora a adaga tinha passado de mãos e seu poder iria ser posto à prova.

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Billy iniciou seu treinamento no pelotão 8 com vigor, estava empolgado por lutar ao lado de Gus e de Joseph, seu novo parceiro. O treinamento era pesado, exercícios físicos diários, ensinamentos teóricos de batalha, treinamentos com o fuzil, de manutenção e de pontaria, técnicas de batalha. Uma semana toda se passou e eles ralavam todos os dias, mas sempre dentro do Comando do exército e ainda outra semana teria que passar antes que pudessem fazer treinamentos nas selvas que cercavam a planície americana em Eyja. O pelotão 8, ao comando de Gus era um dos mais disciplinados e talentosos, mesmo aqueles que nunca tinham tido contato com a vida militar mostravam-se capazes de desempenhar com êxito suas funções. Eles se sentiam a cada dia mais prontos para os treinamentos na selva. Mas não eram os únicos que percebiam isso.

- Atenção recrutas! Sentido!

Todos os pelotões se enfileiraram em frente ao Sgto. White.

- Muito bem! Terminamos a primeira semana de treinamentos, ao fim da próxima vocês estarão aptos para o treinamento mais pesado. Sintam-se honrados. Exceto vocês, pelotão 8...

Um silêncio cobriu as fileiras.

- … vocês iniciarão o treinamento na selva, comigo, amanhã pela manhã. Dispensados!

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