24 de ago. de 2011

Parte 13 - Na casa de Jean

Pela primeira vez naquela semana turbulenta as idéias estavam clareando. Eu havia escolhido me vingar da Thayse, e pra isso recorri ao Cadu. O que eu não sabia é que o pai – em estado vegetativo – do próprio tinha um papel significativo pela personalidade da bonitinha encrenqueira. E minha mãe sabia disso e não havia jeito de ela me falar. O que ocorreu após a minha fuga insana com meu “príncipe encantado“ foi o seguinte: contei ao Jean meu plano magnificamente arquitetado pra dar uma liçãozinha na Thatá; entretanto, devido ao fato superveniente do meu sequestro por marginaizinhos sem propósito aparente, decidi esquecer da ideia. Ocorre que o Jean deliberadamente me fez voltar atrás e seguir com a farsa de pegar o Cadu – da maneira mais conveniente e convincente possível. Hesitei, no início, mas se para ele não haveria problema... por que não tentar?
Foda-se. Você se preocupa a vida inteira em agradar aos olhos dos outros. Não pode cutucar o nariz em público, falar de boca cheia, fazer sexo na rua, comer fast-food, enfim... infinitas regras que convenhamos, pau no cu de quem inventou. Não sou adepta da anarquia generalizada,  óbvio que certos padrões devem ser mantidos, como por exemplo o fato de que homens devem fazer a barba com certa freqüência e mulheres devem medir seu grau de vulgaridade entre amigos/conhecidos. Mas, qual o sentido de tudo isso?  Por que temos que nos policiar e nos adaptarmos ao meio? É como disse Platão certa feita: Quer mudar o mundo? Comece mudando a si próprio. Seja a mudança. Eu curto Platão, era um baita cara. Se tu acredita em reencarnação, há de concordar comigo que os filósofos todos reencarnaram em mendigos pra sociedade do século XXI. Lastimável, grande perda pra humanidade.
Mas voltando ao assunto, eu me preocupava demais. Preocupação não resolve nada. Eu preferiria abdicar de algo que me fizesse feliz para contemplar o sorriso de qualquer outra pessoa. Grande erro. Gandhi me crucificaria. Mas a vida funciona assim, enquanto tu te preocupar em viver a vida PELOS OUTROS, a tua vida não vai andar pra frente. Por esse motivo, minha vida começou a dar resultados satisfatórios no dia seguinte ao seqüestro.
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                Jean arrancou a ambulância roubada e seguimos ao nosso destino – de onde nunca deveríamos ter saído na real -, e em cerca de 20 minutos estávamos de volta à pacata cidade. Como eu ainda estava um tanto assustada, não tava nem um pouco a fim de dormir sozinha, ou voltar pro hospital. Solução? Dormir na casa do príncipe, onde mais?!
                Ele foi todo cuidadoso, não forçou nada, me deixou a vontade. Tomei um banho, vesti meu pijama dos ursinhos carinhosos (me julguem), escovei os dentes e me dirigi ao quarto dele. A casa ficava em um bairro calmo, possuía uns 5 cômodos razoavelmente espaçosos. Tava até limpinha e sem louça na pia quando chegamos. É, às vezes a gente se engana com os tais pré-julgamentos, ainda mais em casa de homem solteiro que mora sozinho. Ganhou um ponto comigo. Caminhei pé ante pé, sem fazer barulho, até a cabeceira da cama. Ele já estava dormindo, virado para o lado oposto ao da porta. Tadinho. Estava uma noite razoavelmente quente, portanto a cama estava arrumada apenas com um lençol e um cobertor xadrez fino, “caso sentíssemos frio” – segundo ele.
                Deitei na cama e virei para o lado oposto, eu não queria acordá-lo... além do mais, estávamos os dois podres de sono e nossa situação estava claramente resolvida. A gente ia ficar junto, não importasse as conseqüências. Fechei os olhos, imaginando o quão errada fui ao ignorar a felicidade que estava diante de mim. Muitas pessoas duvidam do poder que o amor possui sobre a mente humana. É por isso que relacionamentos se desfalecem com o tempo, oportunidades mal aproveitadas e tal da busca pela perfeição no outro. A conclusão que eu cheguei é de que: a perfeição se encontra onde a sua alma se acalma. E A GENTE PASSA VIDA INTEIRA SE FODENDO PROCURANDO ESSA MERDA QUE TÁ DENTRO DE NÓS MESMOS. Vamos acordar pra vida aí, seres humanos.


Acorda aê, ô, vagabundo!

                Acordei na manhã seguinte e meu primeiro ato ao abrir os olhos, foi olhar pro lado. Só pra ter certeza mesmo. E ele tava ali, feito um anjo. Virei de frente pra ele pra contemplar aquela beleza imaculada. Você aí que já esteve apaixonado uma vez na vida, vai saber como me senti. Eu parecia uma babaca, admito. Mas puta merda, eu sou uma sortuda mesmo. Ele abriu os olhos devagar, e ao me ver, sorriu de leve. Aquele sorrisinho tortinho, perfeitinho.
                - Acho que preciso escovar os dentes. – Ele disse, rindo.
                - Eu também. – confessei. – Posso escovar contigo?
                - Com esse pijaminha aí tu não vai entrar no meu banheiro, é uma ofensa à minha imagem. - e dizendo isso se virou de barriga pra cima.
                - Ah, qual é, palhaço. Eu vou antes de ti então, se esse for o problema. – obviamente a ironia era oportuna.
                Levantei e me dirigi ao banheiro. Ele veio atrás de mim, me deu um abraço por trás e beijou-me a nuca. Em seguida sussurrou: “não acredito que você tá no meu quarto e a gente não fez nada ainda”. Após isso, parecíamos duas crianças retardadas, brincando de guerrinha de água e pasta de dente. Era sábado, não estávamos com nenhuma pressa de nada. Ficamos a manhã toda fazendo palhaçada, carinhos, fotos nonsense e talvez umas 4 transas. Ele me fez macarrão com molho branco de almoço, enquanto eu fazia palavras cruzadas na varanda. Piegas não é mesmo? Mas infelizmente nossa felicidade instantânea não durou muito. Nós sabíamos que as coisas não seriam tão fáceis assim, e o primeiro passo a ser dado era registrar a ocorrência na Delegacia. E foi pra lá que a gente foi.

Ficamos a manhã toda fazendo palhaçada.
                Contei tudo como tinha acontecido ao delegado, ele me fez algumas perguntas complexas, as quais não soube responder com precisão, como por exemplo se eu lembrava do tom de voz de algum dos bandidos, se eu tinha alguma suspeita de quem pudessem ser os autores do crime, se eu lembrava da roupa que eles estavam usando, etc. Eu sabia que não iria adiantar muito, afinal, ninguém saiu ferido, por sorte, então policia civil vocês sabem como é, SÃO MUITO OCUPADOS. O tal delegado, mais bossal que o cara mais bossal que você conhece, simplesmente me disse que qualquer novidade no caso eu seria avisada.  Entretanto, eu não ia ficar de braços cruzados esperando ser seqüestrada novamente, portanto, assim que assinamos o B.O.,  eu e Jean decidimos ir até o hospital, visitar a Dona Luísa, vulga mamãe.
                Assim que nos anunciamos, a recepcionista nos disse: - Liberado, mas ela tá com visita.
Estranhei. Quem será que tinha ido visitar a mamãe? Eu só iria descobrir entrando lá. Tal não foi minha surpresa ao abrir a porta do quarto e ver um cara de mais ou menos 26 anos, alto, moreno e de terno e gravata conversando com a minha mãe.
- Victor?
O sujeito virou-se, e disse com um sorriso no rosto:
- Mana!
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