4 de mai. de 2011

Parte 7 - Na Sala do Chefe

Escrito por Mayra Ghizoni.
Voltei ao Jornal, desconsolada. Naquela semana, havia acontecido tudo de melhor e tudo de ruim ao mesmo tempo. Sabe quando a cabeça da gente dá um nó, daqueles que tu não sabe onde começa e nem onde termina? Eu ainda tinha pelo menos mais uns 30 problemas pra resolver no trabalho. E olha só, 31 agora.

- Anne, o chefe quer você na sala dele. Ele tava com uma cara...

MAIS ESSA. Fofoquinha de coleguinha de trabalho. Típico de quem percebe que tu tem um problema pra resolver, que o negócio é SÉRIO, visto que tu teve que “dar uma saidinha”, mas sempre tem um carniça filho-duma-mãe pra tirar uma casquinha e quiçá um leve proveito da situação. Dei o sorriso mais falso da face da Terra (aquele que nem os dentes tu não mostra) e agradeci o recado.

Quando me virei para me dirigir até a sala do Seu André, umas 20 cabeças imediatamente se viraram, disfarçadas. Bah, que gente mais sem ter o que fazer, puta merda. Mas, como eu sempre fiz, não era agora que eu ia dar bola pra inveja alheia.
Atravessei o corredor olhando firme pra frente e cheguei à sala do chefe.

- Oi Tha, o Seu André quer falar comigo? – meu olhar era sério e firme.
- Err, sim. Tua mãe ta bem, amiga?

Achei estranha a forma como a Thayse começou a falar. Ela nunca é assim. Sempre efusiva, rindo até dos piores acontecimentos, olhos alertas. Ela pigarreou e se deteve ao dizer que o chefe estava à minha espera. Estranho.

- Ela vai ficar boa. Posso entrar?

Thayse nem precisou me anunciar. Seu André escancarou a porta da sala e me chamou.

- Entra, Anne.

A sala do seu André é chique. Eu acho, pelo menos. Tem uma estante de carvalho coisa mais linda, com enciclopédias e livros antigos. PFFF, como se ele algum dia tivesse lido. As poltronas eram revestidas de couro, um tapete vermelho felpudo cortava a sala. E as cortinas? Ah, combinavam perfeitamente com o ar aconchegante da sala. Parecia que eu estava na Casa Branca. Sem mentira. No canto esquerdo havia, ainda, um divã branco. O que um sofá fazia ali? Nem te conto hein, mas você leitor, já deve desconfiar.

- Anne, é o seguinte: cadê o relatório? – ele se aproximou da mesa de vidro a sua frente e juntou as mãos, como se eu tivesse vendido o tal relatório pra máfia russa ou coisa parecida.
- Então, seu André, eu tive um contratempo com a minha mãe no hospital e pedi pra Thayse entregar pro Senhor. Ela não entregou? – até aqui eu estava calma.
- Não, ela não me entregou. Anne, vou te dar um conselho como amigo; não jogue a culpa nos outros por coisas que não estão ao teu alcance. Irresponsabilidade aqui no Cotidiano enseja demissão, e creio que tu já deva saber disso.
- Seu André, não to entendendo o que o senhor quer dizer com isso. Eu tenho absoluta certeza que entreguei pra Thayse o relatório pronto e...
- A questão não é a não entrega do relatório. A questão é: você não está satisfeita com o seu emprego e quer se livrar dos compromissos. Esse estágio é fatal, Anne. Se você quiser sair da Empresa, é simples: saia.



Se você quiser sair da Empresa, é simples: saia.


Agora eu estava nervosa. Agora eu queria virar o King Kong e derrubar aquela mesa. Eu queria agarrar a Thayse pelos cabelos e fazer exatamente como a Srta. Trenchball, daquele filme da Matilda. Mas mesmo com as minhas pernas tremendo, eu ri. Ri alto, ri com vontade. Seu André ficou puto.

- Seu André, não sei o que foram falar pro senhor sobre mim, mas isso aí é um grande mal entendido. E pior: tenho certeza que souberam do novo projeto que eu estava tecendo e se aproveitaram da minha ausência hoje pela manhã pra encher a sua cabeça de minhocas. Desculpe os termos, mas não foi por acaso que o senhor resolveu demitir a antiga funcionária e me pôr em seu lugar. Eu sei do meu potencial. Posso ser a menos experiente aqui, mas sei que posso crescer e fazer muito melhor por esse Jornal. Outra coisa: agora ficou mais do que claro pra mim, que eu não posso confiar em nenhum dos meus colegas. Nem mesmo na Thayse, que é a minha melhor amiga, tanto aqui na Empresa, quanto fora dela. Seu André, se o senhor quiser me demitir, à vontade, mas saiba que não vai ter volta.

Ele me encarou firmemente, como se eu soubesse exatamente o que eu estava dizendo – é lógico que eu não fazia idéia do que eu estava dizendo, mas eu tinha que me defender dessas acusações esdrúxulas e totalmente sem cabimento! – se recostou na cadeira, pegou o telefone e disse: - Thayse, faz o favor um instante.

Cerca de 1 minuto depois, Thayse entrou. Mais branca que sebo de vela. Vadia.

- Senta aí um pouquinho querida. – bradou o chefe.

Ela sentou, muda. Eu fiz questão de olhar pra cara dela assim que sentou ao meu lado. Ela, covardemente fitava o tapete a seus pés. Senti náuseas.

- Thayse, a Anne está me dizendo que repassou o relatório pra ti. Confirma?

Ela levantou a cabeça, franziu o cenho e disse:

- Não.

Não me contive. Eu podia ser tudo, menos tapada.

- Eu não acredito que tu vai mentir na cara dura pra mim e pro seu André! Qual é a tua guria?

Ela nem mesmo olhou pra mim, apenas piscou e fitou o chefe.

- Vai ficar de palhaçada e ignorar a minha a presença aqui? – Levantei e continuei – Eu não vou ficar aqui e presenciar essa cena ridícula.

- Anne, trate de se acalmar e sente-se. Eu só quero esclarecer os fatos. – Seu André falou.
- Eu já esclareci o que tinha pra ser esclarecido, eu entreguei o relatório do projeto pra Thayse hoje de manhã, ela mesma se ofereceu pra repassar ao senhor! Só não tô entendendo aonde ela quer chegar desmentindo isso! – eu ainda estava de pé e gesticulando alucinadamente.
- Thayse, o que você fez com o documento? – indagou o chefe.
- Não recebi documento nenhum, a Anne deve ter se confundido. Nem mesmo a vi hoje de manhã.
- Olha, quer saber? Eu vou pra minha sala me acalmar, porque, sério, não vou responder por mim nos próximos 5 minutos se eu continuar escutando isso.

Ao dizer isso, saí da sala. Passei pelo corredor com olhos mareados de raiva, ódio, e com apenas um pensamento: eu vou me vingar. E outra: por que a Thayse fez isso? Bati na irmãzinha dela por acaso? Peguei o estojo de maquiagem emprestado e não devolvi? Roubei o namorado dela?
Peraí. Só pode ter sido isso. Com certeza alguém me viu no hospital com o Cadu e contou a ela. Será? Mas quem? E a troco de que? Se a gente tivesse se pegado ainda, mas nem isso!
Meu celular tocou. Era o Jean.

- Oi gata, vamos almoçar hoje?
- Jean, escuta, minha mãe foi pro hospital, então vou ficar lá com ela.
- Quê? Hospital? Eu vou contigo, o que houve?
- É uma história confusa, aqui na Empresa de umas tretas também... acho melhor não.
- Anne, não quero ser só o teu brinquedinho particular. Quero ficar do teu lado quando você precisar, nem que seja pra descontar em mim tuas frustrações. Estou ciente disso. Agora que eu te reencontrei não vou te perder de novo. Eu passo na tua casa meio dia em ponto, tá?

Ai gente, nem derreti né. Coisinha mais linda. Eu disse “tá bom” e depois que desliguei fiquei pensando: Tô num beco sem saída. Eu tava de boa na lagoa e aí vem a vida e faz isso comigo. Não curto.
Levantei da cadeira e rumei em direção ao café. Só precisava de um pouco de estímulo no cérebro pra pensar melhor no que eu faria dali pra frente.
Dei o primeiro gole e suspirei. Pelo menos o café daqui é bom. Se eu for demitida vou sentir falta do sabor do café mais do que qualquer outra coisa.

- Se acalmou, bonitinha?

Thayse. Pra sorte dela eu havia me acalmado. Mas meu veneno permanecia na ponta da língua.

- Você parece satisfeita Tatá, aconteceu tudo como planejado? – meus olhos se estreitaram e o copo de café tremeu levemente nas minhas mãos.
- Se eu fosse você, eu tomaria cuidado comigo. Mas é o seguinte, vou te pôr a par da tua situação. Se encontre comigo daqui 20 minutos na cafeteria da esquina.
- Enlouqueceu né? Não tenho nada pra falar com você.
- A escolha é tua, bonitinha. Acho que você ficaria bem de uniforme de COPEIRA. – e dizendo isso, virou as costas e saiu.



Vem aqui vadia safada!


Pensa na minha raiva. Pensa no filme que passou na minha cabeça. Aquela perua desgraçada, fingiu ser minha amiga. Mentiu pra mim. Eu precisava tirar aquela história a limpo, por mais que eu quisesse metralhar a fuça dela. Voltei à minha mesa e liguei para o Seu André: eu tinha um plano.

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