27 de abr. de 2011

Parte 6 - No Quarto de Hospital

Escrito por Mayra Ghizoni.

- Mas o que é que tu ta fazendo? – disse Cadu, rindo enlouquecidamente.
- É, então, eu... – eu não sabia o que dizer, eu esperaria a Lady Gaga descendo do elevador, mas o Cadu? Porra!
- Logo que eu te conheci te achei meio maluquinha, mas nunca pensei que tu fosse chegar a esse ponto, hahaha. – definitivamente, eu era retardada, sim.
- Putz, não sei onde enfiar minha cara agora, mas enfim. Posso me explicar? – eu já estava nervosa por ter que sair do trabalho, ver a minha mãe no hospital sem saber o ocorrido, além de me deparar com o deus grego no elevador do mesmo; ademais, a situação foi a mais embaraçosa já prevista.
- Acho que prefiro não saber. Quero manter a minha primeira impressão de você. – dizendo isso fitou-me continuamente.

“Meu, isso não é hora pra paquera né, mas já que tamo ae, borá dar mais uma cutucada no assunto.” – minha mente gritava.

- Espero que tenha sido boa, porque né... haha. – Mexi no cabelo inconscientemente, e ele seguiu o movimento com os olhos intensamente castanhos.
- Ah, pode apostar, foi sim. Mas, me perdoe a pergunta, o que tu faz aqui essa hora? – indagou.

Por dois segundos eu havia esquecido o real motivo pelo qual eu estava ali. Arregalei os olhos com a lembrança fresca do telefonema da enfermeira.

- Me ligaram daqui avisando que a minha mãe tá internada e tal. Mas não faço idéia de onde ela esteja, muito menos o motivo. A recepcionista me disse a Ala mas eu acabei esquecendo com essa confusão toda aqui. Também, é tudo nome de Santo, que inferno.
- Ah, relaxa, meu pai também está internado aqui, ele sofreu um acidente há umas semanas, está inconsciente ainda, então todo dia eu venho visitar ele. Já sei de cor e salteado os corredores, posso te acompanhar se tu quiser.

Cadu mudou de feição ao mencionar o pai. Nessas horas qualquer solidariedade é nula perto da sensação iminente da perda de algum familiar, ainda mais alguém que te acompanhou durante toda a tua vida.

- Bah, sinto muito por ele. Vou precisar da tua ajuda pra encontrar o quarto... é no segundo andar né?
- Sim, sim. Eu estava indo tomar um café, mas te acompanho.
- Não, imagina, eu posso encontrar sozinha, vai lá tomar o teu café, tu deve estar em jejum ainda. – minha mente says: Não vai, não, fica aqui comigo coisinha linda.
- Não, tudo bem, depois eu desço. Vamos.

Pegamos o elevador em silêncio. Naquele momento eu só pensava em encontrar minha mãe bem, e de preferência em estado consciente.
Após alguns pedidos de informações, encontramos o quarto. Minha mãe estava sozinha, entubada com oxigênio. Me apavorei. Em seguida a enfermeira entrou no quarto.

- A senhora é filha?
- Sim, sou – meu rosto estava empalidecendo e minhas mãos esfriaram rapidamente.
- OK, a sua mãe deu entrada aqui de madrugada com princípio de infarto. Ela desmaiou na casa da amiga e teve crises de refluxo. Já foi medicada, mas provavelmente o infarto deixou algum tipo de sequela no pulmão, por isso ela está no oxigênio. Ela está consciente, mas sedada, por isso vai dormir mais umas 4 horas, no mínimo. Preencha esta ficha aqui pra mim, é uma autorização referente ao plano de saúde.

Eu ouvi em silêncio com os olhos mareados. Preenchi a ficha .

- Enfermeira, ela vai ficar aqui até quando? O médico vai chegar?
- Ela vai ficar em observação até segunda ordem do Doutor. Vou avisá-lo da sua presença pra ele te explicar melhor a situação, daqui uma meia hora ele chega aqui, tá bom?
- Tudo bem, eu aguardo. Obrigada.

Dona Luísa. Aquela mulher de 50 verões, que me ensinou a amarrar o cadarço do tênis, que ralhou comigo ao descobrir que eu tinha quebrado ao janela do vizinho com uma bola de futebol furada, mas que em seguida logo preparou um achocolatado quentinho pra mim, aquela que eu vi chorar enfurecida quando soube que o marido a havia trocado por uma oxigenada de farmácia 5 anos mais velha que ela, aquela cuja força provinha de sei lá que lugar ao enfrentar a situação e sair de casa carregando consigo seus dois filhos briguentos e irritantes... A dona Luísa tava ali agora, estirada numa maca de hospital, carregando o fardo de seus últimos 30 anos mal vividos, seu coração, que já não aguentava pulsar apenas pelo vício da canastra, suturado há algum tempo e ainda não cicatrizado em sua totalidade, não suportou todas as angústias e inquietações vividas.
Senti a mão do Cadu no meu ombro. Ele me deu um beijo na altura da cabeça e eu não aguentei. Desabei no ombro dele e chorei com tanta força que em questão de 2 minutos eu tava toda ranhenta e as minhas lágrimas quentes desciam molhando a camiseta branca dele.
Ele fazia “shiu” e me abraçou como se fosse meu irmão. Caralho, meu irmão! Num impulso me afastei do abraço dele e tentei me lembrar onde deixara o telefone do maldito. Limpei as lágrimas e o nariz na manga da minha blusa (é, eu fiz isso, e daí? Tu também já fez alguma vez na vida) e disse ao Cadu:

- Obrigada por isso, mas preciso avisar o meu irmão.
-Tu vai ficar bem? – disse Cadu, olhando nos meus olhos e mexendo nos meus ombros como se estivesse me aquecendo ( nem morri né, magina).
- Vou sim, mais uma vez obrigada. E se precisar de qualquer coisa pode me gritar. – dei um meio sorriso.
- Vou te cobrar isso, haha. Admiro teu bom humor. Vou indo então. Pega meu telefone aqui – ele anotou o celular num pedaço de extrato de banco e me entregou – se quiser conversar, ou precisar de companhia por aqui, me liga tá? Não hesite.
- Uhum.

Eu não sabia o que dizer, o cara mais gato e perfeito de todas as faculdades do Universo ME DEU O TELEFONE. Todos morre.
Ele me deu um beijo na testa e saiu. Ok. Passou. Respira.

Sentei-me ao lado da cama e segurei a mão da minha mãe. Nunca tinha aprendido a rezar direito, de cor mesmo eu só sabia o santo anjo. Já que não tem tu, vai tu mesmo. Fechei os olhos e rezei. Chorei mais um dez. Porra, o que que eu vou fazer agora? E se ela não acordar mais? Quem vai fazer panquecas ao molho branco às terças? Quem vai me dar um abraço e chorar comigo no dia da minha formatura? Cadê o bosta do Victor que não atende a PORRA do telefone? O Cadu tava aqui mesmo? O projeto! Cacete, esses médicos são pagos pra quê?
Liguei pela terceira vez para o meu irmão. No quarto toque ele atendeu.

- Já falei pra tu não me ligar.
- Eu sei, mas... – minha voz era urgente.
- Vai se fuder, eu to dormindo. – e desligou.

Nos últimos dois anos essa foi a conversa mais longa que eu já tivera com ele. Tá massa, tendo em vista que no nosso último encontro “casual” ele quase me esgoelou. Literalmente. Foi registrado B.O. e tudo. Mas o que há de se fazer? Ele podia ser tudo: canalha, pilantra, covarde e/ou mulambento; mas ainda assim tínhamos a mesma mãe, ele ainda era meu sangue. Era mais que obrigação avisá-lo do acontecido. Mãe é mãe né, meu.
No fundo, no fundo, eu tinha esse receio, de ele não me atender e me evitar a qualquer custo. Briga de família sempre te deixa com algum tipo mágoa. E enfim, essa mágoa tá aí faz 2 anos... então né, é brabo. Mandei uma SMS. Ele vai ler. Se não ler também, que se foda, notícia ruim se espalha rápido, pelo menos eu tentei avisar.
Enquanto isso, bateram à porta do quarto.

- Com licença?

Meio corpo se adiantou no recinto. Loiro, em torno de 25 anos, alto, branquelo, olhos azuis brilhantes, jaleco branco, Dr. Tiago, calça jeans apertada, mão na maçaneta e uma PUTA duma aliança na mão esquerda. Casado. Porra, que que esses moleques tem na cabeça? Meus ombros caíram, mas levantei da cadeira para cumprimentá-lo.

- Oi Dr., estava te aguardando. Como ela está?
- Luísa Vasconcellos né? É melhor você me acompanhar até a minha sala, pra eu te explicar melhor.

Gelei. A hora da verdade estava próxima, e eu estava sozinha pra aguentar o tranco. Assenti com a cabeça, respirei fundo e o acompanhei pelo corredor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...