16 de nov. de 2010

XXX: Entendendo

Escrito por Fabricio Cantarella

Tão longe do começo disso tudo, tão longe do dia em que Lívia havia batido a porta furiosamente e desaparecido dos noticiários, estávamos lá, lado a lado, ela respirando fundo enquanto arrumava os cabelos, deitada no chão úmido de suor da sala e eu apenas fitando o teto branco. Desde o momento em que eu tinha voltado da viagem à Argentina, minha vida, que antes estava apenas um bagunça, havia virado uma catástrofe e minha mente, antes renovada pelos ares andinos estava basicamente a milhões por hora.

E agora? O que eu faria em seguida? Odeio quando fico de mãos atadas.
Lívia percebeu meu estado nulo diante daquilo tudo e resolveu tomar as rédeas.

- Ligue para Gabriele, chame-a para jantar. Ela já deve ter se entendido a essa hora.
- Ta. Mas...
- E eu? Não se preocupe comigo agora, depois nós descobriremos.

Lívia levantou-se, ainda nua, o corpo suado brilhava à luz que entrava pela janela. Era linda, um corpo divino. Agia com firmeza, decidida, parecia conhecer o destino naquela hora. Deu dois passos em direção às roupas jogadas por sobre uma das poltronas, parou, virou-se e olhou para mim, ainda deitado no chão, com os olhos perdidos entre o teto e o corpo dela que parecia dançar na minha frente.

- Quer saber? Antes de me vestir, vou gastar mais um pouco da sua confusão.

Ela sabia, afinal, o que quer um homem quando está na situação em que eu me encontrava.
E minha última lembrança enquanto ser não-passional foi a sensação da língua dela deslizando por toda a extensão do meu abdômen.

- Alô?! Gab? É o Chaz.
- Oi Chaz, não esperava que me ligasse ainda hoje...
- Hm, desculpa pela minha cena hoje cedo. Quer sair para jantar, quero compensar por tudo aquilo.
- Só quer compensar tua cena? Ou quer jantar e conversar comigo?
- Haha! Você me desfaz tão facilmente. Quero conversar contigo.
- Podemos ir naquele restaurante que eu gosto, que tal?
- Claro Gab. Passo ai as 8.
- Ta, te espero. Beijo.

Pontualmente às oito da noite eu estava em frente à casa de Gabriele. Toquei a campainha.

- Oi Chaz!

Meu queixo caiu de uma vez, em uma cena típica d'O Máscara quando a Cameron Diaz aparece no Coco Bongo. Gabriele estava em seu melhor vestido, vermelho, com um decote que favorecia seus seios pequenos. Um salto conferia uma altura que deixava o vestido ainda mais sexy, descobrindo um pouco mais das pernas. Ela brilhava na luz da rua.

- Chaz? Ta tudo bem?
- Ahn? Ah! Oi! To bem sim. Esta pronta?
- Sim. Haha, você parecia meio perdido.
- Pode-se dizer que eu até estava. Venha, o táxi está esperando.

Caminhamos lado a lado até o táxi, a boca dela me atraia com um batom também vermelho, eu salivava sentindo a vontade de tê-la crescendo dentro de mim, mas não era apenas possuí-la, eu queria tê-la. Deixei-a entrar no táxi primeiro. Uma brisa me trouxe o cheiro dos cabelos dela, misturado com o aroma do perfume, o mesmo que ela comprara no dia em que nos conhecemos. Era embriagante. Conversamos bobagens durante o caminho.

O restaurante estava cheio quando chegamos, pedimos uma mesa para dois e resolvemos esperar no bar. Eu pedi uma cerveja, Gabriele foi de martini. Ela pescava e soltava a azeitona de seu copo, parecia incomodada com algo de repente.

- Aconteceu algo Gab?

Ela pesou a pergunta um momento, respirou fundo.

- Conversei com Lívia hoje. Um tempo depois de você me ligar.
- Ela te ligou?
- Sim. Me disse para eu aproveitar a noite hoje. Você tinha dito que ia me chamar para jantar?
- Hm, na verdade... foi idéia dela.
- Como assim?
- Ela passou em casa hoje de manhã, logo que eu cheguei. Conversamos e ela me disse para sair com você hoje. Ela me contou sobre o beijo de vocês.

Eu não conseguia processar a idéia delas se beijando. Eram as mulheres mais lindas que eu já havia visto em toda a minha vida, as mais sexies. A maioria dos homens daria o mundo para ver uma cena daquelas e eu simplesmente não conseguia processar aquela idéia. Devia ter algo errado comigo. Gabriele percebeu que minha voz fraquejou quando me referi àquele beijo.

- Desculpa Chaz, por ter beijado Lívia.
- Tudo bem, não precisa se desculpar Gab. Mas enfim, ela me disse para sair contigo e eu resolvi te chamar para jantar.
- Por que será que ela disse isso?
- Não sei.

Mas eu sabia, parcialmente, mas sabia. As palavras de Lívia naquela manhã tinham sido claras: "eu nunca vi algo tão intenso como eu vi na Gabriele." Só era estranho pensar que a Lívia estava dizendo aquilo. Não era tão do gênio dela o filantropismo, mas ela disse e eu entendi. Fomos chamados, nossa mesa estava pronta.

Sentamo-nos, escolhemos nossos pratos e pedi uma garrafa de vinho. Conversamos mais bobagens. Demos risadas, estávamos felizes. O jantar não demorou muito apesar do restaurante estar cheio. Tudo estava muito certo, o ambiente, a comida, o vinho, a conversa. Tempo, política, trivialidades, sexo.

- Sinto falta do seu corpo Chaz.

Foi simples assim, direta, uma frase saída do nada, entre um comentário sobre perfumes e um gole de vinho após terminar o prato. Foi bom ouvir, eu sentia falta dela também, muito embora Lívia tivesse me saciado completamente menos de doze horas antes, eu ainda sentia meu sangue esquentando quando olhava para Gabriele.

- Sinto falta de nós dois, na cama, no chão, na mesa, no sofá, no chuveiro. Sinto falta dos olhares e da respiração pesada, dos gemidos, do suor.
- Sinto falta de você na mesa do café Gab. Sorrindo sob o sol da manhã.

Ela me olhou como quem estranhasse algo, não a culpo, afinal, ela estava atacada, as palavras saiam carregadas de malícia e desejo e eu respondi com uma saudade melosa, bonitinha demais para o clima que ela havia construído. Mas não havia nada que eu pudesse fazer, eu sentia falta DELA. Éramos intensos na cama (e no sofá e no chuveiro e no chão e etc.), mas sexo era coisa da Lívia, eu fazia sexo com ela, apenas com ela, com Gabriele era algo menos animal, mais... sentimental. Fazia sentido.

- Sinto sua falta Gab... falta mesmo você.

Pedi a conta, emendando uma conversa despretensiosa com o garçom, eu não queria conversar sobre aquilo com Gabriele, muito embora ela quisesse, eu não precisava. Eu já sabia. Olhei para ela, balbuciei uma conversa sobre qualquer coisa aleatória e a conta chegou. Paguei tudo em silêncio, saímos e encontramos um táxi. Silêncio novamente, ela estava brava por eu ter interrompido a nossa conversa. Desci junto com ela.

- Falta você na minha vida. Eu perdi o jeito de sorrir depois que nos separamos. Sei que essa história já foi longe demais e já teve suas reviravoltas, mas desde que te conheci eu consegui entender o que é ser feliz de verdade. Agora, falta você pra mim.

O olhar dela parecia feliz. O corpo dela parecia feliz naquele vestido vermelho.
Dei-lhe um beijo na testa.

- Até amanhã Gab.

Entrei no táxi e fui embora.

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