17 de nov. de 2010

Parte 1 - Na Faculdade

Escrito por Mayra Ghizoni.

“O problema não é você, sou eu”.

Depois de trocar algumas olhadelas com o Cadu no dia em que fomos apresentados, a Thayse pirou. Enquanto voltávamos para a aula (cursamos Jornalismo, e ele, Administração) ela não parou de matraquear sobre o quanto ele era lindo e o quanto encarava ela. Eu assentia com a cabeça e encorajava-a a marcarem um encontro. Ela adorou a ideia, mas como toda vadia que quer se mostrar, teve que fazer um cu doce. “Ai amiga, ele deve ter namorada, não sei se devo”. Você leitor, leitora, se quer distinguir uma vadia é só prestar atenção às suas falas. Essa é clássica. Ainda mais se se vestir tal qual. Bom, nesse caso você certamente vai saber caracterizar uma quando a vir.

Enquanto eu dava trela aos devaneios da vadia, digo, da Tha, meu celular vibrou. Era uma mensagem de texto do Lipe, que por sinal estava há pouco conosco na rodinha. Meu coração parou por 3 segundos para em seguida disparar violentamente, após eu ler o conteúdo: “Faz 5 minutos que ele não para de perguntar de você, haha”. Eu queria surtar, agarrar o braço da Thayse e gritar enlouquecidamente (o que geralmente as garotas fazem com as melhores amigas), mas me limitei a um sorrisinho tímido, tendo em vista que se eu praticasse tal ato, provavelmente eu me reportaria a uma cena digna de Inquisição. Fora que ela estava obstinada a sair com ele e dar feito uma cabrita, com perdão dos termos chulos novamente.

Durante o resto da noite, eu não consegui prestar atenção a uma palavra sequer do professor, tamanha era a minha curiosidade em saber por que o Cadu estava interessado em mim. Trocamos apenas algumas palavras completamente não-significativas, não havia explicação lógica. Então eu me lembrei que realmente não havia, pois ao vê-lo pela primeira vez senti como se estivesse sendo puxada por um ímã aos olhos dele. Muito provavelmente ele deve ter sentido o mesmo, e naturalmente foi em busca de mais informações sobre mim para o meu melhor amigo, na tentativa de encontrar respostas concretas. Nesse momento eu me senti foda.

No término da aula, despedi-me de Thayse, e a pedi para que me mantesse informada se ela fizesse avanços com o Cadu. O que obviamente ela não conseguiria, no que dependesse de mim (insira aqui risadas diabólicas). Coloquei os fones de ouvido, aumentei o volume para não ouvir o barulho das pessoas conversando e rindo alto ao meu redor, e fui me dirigindo à saída. Assim que cheguei à porta, lembrei-me que a Professora de Marketing pediu-nos para realizar um trabalho, e para isso teríamos que pegar alguns livros da biblioteca. Imediatamente, dei meia volta para pegar o corredor à minha esquerda. Ao chegar na porta, reparei em meia dúzia de meninas bem vestidas, calças e camisetas brancas e cabelos extremamente lisos, tão lisos que mais parecia que tivessem passado ferro elétrico neles, em vez de chapinha. Lutavam desesperadas para colocarem suas bolsas no guarda-volumes. Ri comigo mesma, imaginando o que tanto elas enfiam naquelas bolsas. Fui direto ao corredor de Jornalismo, no qual encontrei facilmente os livros que a Professora havia nos pedido, pois havia mais de 30 exemplares idênticos. De certa forma isso facilita nosso trabalho de procurar um livro do tema pretendido, mas também depois do trabalho feito, os docentes não tem razão nenhuma para reclamar que os acadêmicos apresentam trechos iguais (leia-se plágio).

Entreguei os livros no balcão sem notar o funcionário por detrás dele, pois já estava acostumada a ser atendida por ninfetinhas estagiárias que mascavam chiclete de 10 centavos iguais a umas vacas. Entretanto, naquele dia, não havia ninfetinhas.

- Oi – disse uma voz masculina simpática do outro lado do vidro. Reconheci quase que imediatamente e paralisei
-Er, oi. – respondi timidamente.
- Não tás me reconhecendo Anne? – Não havia escapatória, era ele.
- Ah meu Deus, Jean, é você? – fiz uma cara de espanto.
- Ah bom, achei que ias fingir que não me conhecia. – ele respondeu rindo, e eu reconheci muito bem aquele tom.
- Tu não mudou nadinha desde a última vez hein? –respondi com os olhos semi-cerrados. - Mas o que fazes aqui?
- Ué, eu TRABALHO aqui.
- Ah, jura? Conta uma novidade agora. – quem respondeu rindo dessa vez, fora eu.
- Haha, e você também, não muda nunca hein!? Escuta, estou saindo daqui a 10 minutos, o que tu achas de uma cerveja? Sabe, pra colocarmos o papo em dia.

Eu percebi que ele tinha se atrapalhado um pouco com as palavras, mas no momento aquilo era o que menos importava. O Jean, aquele que eu tinha posto chifres há cerca de 3 anos atrás, estava ali, na minha frente, me convidando pra tomar uma cerveja. Esse guri deveria me odiar! Mas ele estava ali, impressionantemente com olhos fixos em mim, aguardando uma resposta. Pensei em Cadu. Foda-se o Cadu.

- Ok, te espero lá fora. – e pisquei marotamente.

Carreguei os livros desajeitadamente até a porta, me apoiei na parede do lado de fora e enfiei-os na mochila. Esperei. No vai-e-vem dos acadêmicos apressados saindo pelo corredor, eu mal reparava neles. Meu pensamento estava a anos-luz de distância dali. Caramba, o Jean tá muito gato. Por que mesmo que eu traí ele no Ensino Médio? Ah é, um cara mais velho chegou em mim numa festa de formatura, e eu estava MUITO bêbada. Óbvio, o que mais uma guria de 16 anos faria no dia em que discutiu com o ficante? Beber até esquecer o nome do imbecil. Só podia dar merda mesmo. E o mais engraçado é que a gente nem precisou conversar depois do acontecido, no outro dia praticamente metade da cidade sabia que eu tinha beijado um cara na festa e que eu tinha falado horrores do Jean. Logicamente não lembrei de nada, apenas da sensação de libertação na hora em que beijei outro cara. E não me arrependi. Depois disso nunca mais sequer ouvi falar no Jean, mas tampouco me importei. Se o episódio tivesse se repetido hoje, eu pensaria 5 vezes antes de sair de casa com o intuito de beber. Como se álcool resolvesse os problemas.

E agora eu tinha uma chance de me desculpar, e, quem sabe, até ir um pouco mais além. Mas que merda, o Cadu não queria sair de mim. Fechei os olhos e mentalizei: “Qual é Anne, tu nem conhece o cara, tua melhor amiga tá a fim dele e o Jean tá na capa da gaita minha filha, esquece esse cara e aproveita a oportunidade que a vida tá te dando!” Abri os olhos e dei de cara com o Jean postado ao meu lado, fitando-me. Corei.

- Que susto, você costuma não avisar quando está chegando não?
- Desculpe, mas você estava tão concentradinha de olhos fechados, que eu não quis te interromper.
- Pois eu não me incomodaria se você fizesse pelo menos um barulhinho de respiração ou de passos. – falei sorrindo
- Tá legal Sra. Mandona, como a senhora preferir. – ele gesticulou em posição de sentido. – Então, pra onde vamos?
- Ué, foi você quem me convidou, você decide. Só preciso voltar pra casa antes das 11.
- Hm, ok. Bom, então vamos caminhando até o Plus, é daqui a 3 quadras. Até lá a gente põe o papo em dia. – piscou duas vezes seguidas, fazendo seus olhos castanho-claros brilharem.

Fomos andando até a frente da universidade, e eu estava doida pra perguntar-lhe o que andara fazendo todo esse tempo em que sumiu. Abri a boca para falar, mas ele tinha sido mais rápido.

- Então, vai ficar muda? – me encarou sorridente.

Ri nervosamente, e repliquei:

- Bom, na verdade eu tenho tantas perguntas pra te fazer que nem sei por onde começo...
- Que tal do começo? Haha, ok, parei. Mas para te poupar trabalho, eu sei o que você deve estar pensando, querendo saber. Desde aquele dia da formatura, eu fiquei realmente puto da cara contigo. Eu achava que você era melhor do que aquilo, se rebaixar pra poder me atingir me deixou no chão. Eu sei que também errei ao discutir contigo por conta de uma besteira, que pra falar a verdade nem eu me recordo mais do que se tratava. Sabe Anne, eu estava gostando de você, de saber que se eu saísse da aula eu iria te ver, te abraçar , e então eu esqueceria dos meus problemas. – enquanto caminhávamos, ambos olhávamos para o chão. Eu, por não querer encará-lo; ele, por provavelmente estar desabafando depois de tantos anos, e não querer deparar-se com a minha reação. Pelo menos não por ora.

- Engraçado eu te dizer isso só agora, - continuou – mas, dois dias depois... hm..., bem, do acontecido, eu resolvi transferir de colégio, e minha mãe queria tanto se livrar de mim, que quando contei à ela da transferência, ligou para o meu pai no mesmo dia, e eles acertaram minha mudança pro litoral. Não fiquei muito contente, mas eu estava de saco cheio da minha vida aqui, então por que não? Fiquei morando com ele até mês passado, quando recebi uma ligação do hospital, dizendo que a minha mãe tinha sofrido um acidente de carro e estava na UTI
- Nossa, e ela está bem? – encorajei-me e olhei-o.
- Sim, agora ela está bem, mas o acidente foi um tanto quanto grave, e ela teve sequelas neurológicas. O médico me explicou, mas eu não entendo muito disso, então... só sei que ela precisa de acompanhamento psiquiátrico agora. E como ela não tem ninguém, eu tive de voltar para acompanhar o tratamento.
- E então, foi difícil para você ter que voltar? – questionei.
- Não necessariamente. Creio que voltei na hora certa. Meu pai estava cheio de dívidas, e eu era só mais uma despesa para ele. Tentei arranjar algum emprego, mas consegui apenas serviços temporários, o que pagava apenas minhas roupas e meu curso de inglês.
- Putz, que barra. Se precisar de algum dinheiro, eu posso te emprestar, até você se arranjar. Mas, pelo visto, você conseguiu um emprego agora! Isso deve ajudar, não?
- Ah, obrigado, mas agora estou bem. Por sorte encontrei um amigo meu na rua, semana passada, e ele me disse que precisavam de uma pessoa para trabalhar na biblioteca da Universidade, pois tinham umas meninas que estavam fazendo muita cagada por lá – riu-se.
- Uh, sei BEM quem são. Mas então, que ótimo! Olha só, chegamos rápido até. Quanta gente hein.

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