10 de nov. de 2010

Prólogo

Escrito por Mayra Ghizoni.

“O problema não é você, sou eu”.

Essa frase tá martelando minha cabeça há 15 minutos, quando aquele cretino do Cadu pronunciou. Na maior tranquilidade. A Thayse deve estar bem satisfeita, aquela vadia. Desde o dia em que ela viu a gente ficando, não tem um dia que ela não me olhe na faculdade como se fosse me fuzilar.

Ok, devo confessar que adoro a inveja alheia, isso me faz sentir poderosa, especial. Tipo: “tenho algo que você não tem”. No fundo, no fundo, toda mulher gosta de se sentir assim, afinal de contas, pra que sair com aquele cara sem graça da turma B de Análise de Sistemas se ele não fosse desejado por toda a massa feminina? Essa é a graça da vida, esfregar na cara das vadias que o cara tá contigo, e não com elas. E o Cadu... bah. Sabe descrição de príncipe encantado? Esquece. O Cadu está acima de todas as expectativas. Quando se tem 13 anos, incrustam nas nossas mentes puras a ideia do menino educado, cavalheiro, olhos azuis, cabelo loiro, montado no cavalo branco, ao seu dispor para tudo. Quanta utopia. Mais tarde você descobre que o príncipe encantado é aquele que não arrota na frente dos seus pais no aniversário da sua avó, ou aquele que toma banho ao menos uma vez por dia. C’est la vie, meu caro, minha cara. Não há dúvida de que é raridade toparmos com esse cara nos corredores da faculdade, e a concorrência tá grande para abocanharmos tal pedaço de picanha, com perdão dos termos chulos. E assim que pus meus olhos nos dele, algo que não acontecia há alguns meses, mexeu com a minha psique.

Estávamos ali, numa rodinha de amigos, quando fomos apresentados. Eu o olhava com curiosidade, os olhos amendoados e o cabelo levemente encaracolado castanho pareciam se encaixar no corpo atlético. Eu não precisava que ele dissesse uma palavra para saber que era o cara mais perfeito que eu já tinha visto. Sorria timidamente, as covinhas estreitando-se em seu rosto simétrico. Eu não conseguia tirar os olhos dele. Vez ou outra ele me olhava, com a mesma curiosidade.
Nessa época, Thayse e eu éramos melhores amigas, e nada escondíamos uma da outra. Ela era baixinha, lá pelos seus 1,59 m., cabelos loiros compridos, olhos verdes e perua. Ênfase no ultimo termo: perua. Sempre foi a sensação da turma, vestia-se como se fosse dançarina de pole-dance, micro-saias eram peças imprescindíveis do seu guarda-roupa ínfimo. Seria redundância citar o sucesso que fazia com os garotos. Exatamente o oposto de mim. Incrível como o velho ditado sempre esteve presente na minha vida: Os opostos se atraem. Sina, destino, coincidência, use o termo que acreditar, mas o fato é que quanto menos se tem em comum, mais proximidade existirá entre duas pessoas.

Mas não falei de mim ainda, não é? Bom, não sou lá grandes coisas. A começar pelo meu nome: Anne. Variação francesa de Ana, que significa “cheia de graça” (insira aqui piadinhas sobre Ave Maria). 1,68 m., olhos castanho-escuros, pálida, cabelos castanhos médios e repicados. A primeira impressão que você terá de mim será de “se ela se arrumasse um pouco mais ia ficar gata”. Normal. Uso tênis quase que o tempo todo, saltos ou sapatilhas me irritam, e não condizem com a minha personalidade. Sou agitada, inquieta. Meu guarda-roupa é simples: camisetas estampadas e calças jeans. Pra que melhor? Bom, sempre tem uma festa ou balada que requer toda essa coisa de vestido, salto alto e maquiagem. Nada contra maquiagem, até uso rímel e batom às vezes, mas uma vez, meu primeiro namorado me disse que eu não precisava dessas coisas fúteis, minha beleza natural era o que atraía os caras. Taí, me apeguei nessa doutrina. E enfim, nunca ninguém reclamou.Exceto o cretino do Cadu, que veio com esse papinho de “o problema não é você, sou eu”.

Tá errado. Sou eu que sempre termino os relacionamentos. Sou eu quem dá as cartas e conduzo o rumo das apostas. Não é questão de prepotência, é instinto. Nunca consegui me submeter a opiniões de terceiros, nem minha mãe sabia lidar comigo. Devo ter puxado ao meu pai, independência é meu ponto forte. E, logicamente, não sei lidar muito bem com o jogo virando. Mas você não deve estar entendo nada, não é? Onde o tal do “cretino do Cadu” se encaixa nessa história estapafúrdia? E o que essa ”Thayse dançarina de pole-dance” faz metida aí no meio? Explicar-lhe-ei por partes, como diria Jack, O Estripador.

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