21 de set. de 2010

XXIII: Deflagrando

Escrito por Fabricio Cantarella

- Gabriele?
- Oi Chaz, podemos conversar?
- Hm... claro.

Como tudo tinha acontecido eu não sei dizer, em um momento eu estava lá, sentado à mesa com Lívia, semi bêbado e quase a beijando e em questão de segundos eu estava totalmente desperto, com a adrenalina e a incerteza pulsando em minhas veias, encarando uma Lívia de cara fechada e ouvindo a voz meio tremula de Gabriele ao telefone.

- Você esta na sua casa Chaz?
- Não, mas posso falar ainda assim.
- Onde está?
- Isso não importa agora. Diga.
- Desculpe.
- Por?
- Por não ter ligado antes. Por ter ficado tanto tempo sem te dar notícias. Eu precisava de um tempo para mim, para perceber que eu realmente confio em você e que nada mudou.
- Nada mudou?

Nada mudou. Tecnicamente nada havia mudado de fato. Eu estava lá, sozinho, procurando carinho igual a um cachorro abandonado e Gabriele ainda estava longe. Mas eu sentia que algo dentro de mim estava diferente, não sentia a mesma segurança de antes, mesmo que meu estômago tenha estremecido ao ouví-la dizendo que confiava em mim e que nada havia mudado, eu ainda sentia algo diferente.

- Porque a pergunta Chaz?! Nada mudou.
- Não sei Gabriele. Não é confortável ficar dias a fio sem receber notícias, me vendo levar a culpa por algo que não fiz e sentir a distância ecoando a desconfiança.
- Mas eu confio em você!
- Agora. E fico feliz com isso. Mas três semanas soa como tempo demais para descobrir isso.

Nesse momento meus olhos encontraram os de Lívia, sem querer, eu não estava prestando atenção nas imagens que eles capturavam, mas o olhar de Lívia era impossível não detectar. Ela olhava fixo para mim e minha última frase tinha provocado um brilho intenso nos olhos dela. Eu podia ouvi-la vibrando por dentro a cada palavra minha.

- Mas Chaz...
- Eu entendo que tudo pareceu forte demais naquela hora. De fato foi, mesmo sendo uma armação. Mas achei que fossemos mais forte, ou pelo menos mais centrados que qualquer coisa.
- Desculpe-me Chaz.
- Tudo bem, relaxa. Já passou. Quero te ver, amanhã.
- Amanhã!? Porque não agora?? Onde você está?
- Estou na casa da Lívia, vim conversar com ela mas já estou indo embora. E agora não porque quero esse resto de noite para mim.

Duas reações simultâneas e essencialmente iguais. Gabriele suspirou do outro lado da linha, um suspiro misto de dor e consciência. Ela sabia que eu não pedia nenhum absurdo, mas sabia também que ia contra todo e qualquer planejamento e vontade que ela tinha. E o fato de eu estar com Lívia era claramente sentido como um golpe para ela. Já Lívia perdeu uma boa parte do brilho no olhar, os planos dela de me ter de volta naquela noite haviam encontrado empecilhos grandes demais para que pudessem contornar. Ela teria que replanejar e não gostava disso.

Aquele triângulo, de repente, tinha virado um combate aberto.
Ouvi Gabriele resmungar do outro lado da linha: "Essa garota não desiste? Droga!"

- Gab, quero te encontrar amanhã cedo, naquele café que costumávamos ir. Pode ser?
- Ta, pode. Que horas?
- Nove.
- Ta, te encontro la. Saiba que eu ainda te amo Chaz, de verdade.
- Eu sei Gab. Eu realmente sei. Tchau.

Lívia mal esperou que eu desligasse o telefone para mandar seu primeiro ataque.

- O que você sabe Chaz?
- Sei que preciso pensar. Vou para minha casa, obrigado pelo jantar.
- Pensar em que Chaz?! Que ela demorou TRÊS SEMANAS para te ligar? Quer pensar que ela mal ouviu sua explicação para o que havia acontecido e decidiu sair e não ligar nem pra dizer que estava viva? Quer pensar que ela não tinha a mínima certeza se ela realmente te amava? É nisso que quer pensar?

As palavras de Lívia batiam forte, como um bem dado tapa na cara. Nada daquilo era mentira afinal. Mas fui categórico.

- Independente de tudo isso, ela me ligou. Isso me da algum motivo pra pensar. Boa noite Lívia.
- Quer se arrepender de novo não é Chaz?
- Talvez Lívia, talvez.

Saí para a rua. Estava alheio ao movimento, minha mente se dividia entre as verdades de Lívia e a ligação de Gabriele, entre a lembrança antiga de um sorriso e a marca recente de olhos brilhantes. Era difícil entender as mudanças que tinham acontecido dentro de mim naquelas tres semanas, parecia que, de uma hora para outra, tanto Lívia quanto Gabriele estavam no mesmo nível para mim, ambas tinham um significado.

Eu era o grande prêmio e o juiz daquela batalha, precisava que brigassem por mim mas ao mesmo tempo era eu quem tinha que mediar e julgar as investidas e suas reações. Eu havia então aceitado que aquilo era uma guerra e depois de tudo o que fizeram comigo, eu queria que se degladiassem por minha causa.

- Divirtam-me garotas.

Eu logo tinha um café da manhã para tomar com Gabriele e, apesar da atração de Lívia naquela noite, a simples idéia de ter Gabriele perto de mim novamente já me mandava arrepios espinha abaixo. A guerra estava deflagrada e era o turno de Gabriele.

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