23 de set. de 2010

O homem que apostava

Escrito por Fabs.

Deixe-me contar-lhes uma história boba de um cara que eu conheci vida afora. Nem lembro direito o nome dele, faz teeempo que ouvi dele numa cidadezinha que visitei certa vez. Ah! espera, lembrei, chamavam ele de Lotérico, mas nem sei se é o nome do cabra ou se é só apelido mesmo. Mas enfim, o fato é que o tal do Lotérico adorava uma apostinha. Conheci a história do indivíduo numa casa lotérica, quer mais o que?

Desde que nasceu, Lotérico era apostador. Reza a lenda que isso surgiu quando os pais dele apostaram sobre o sexo do bebê antes do ultrassom. O pai queria menino e a mãe menina, bem clássico assim, a aposta? Bom, se for falar sobre isso serei censurado, mas digamos que o pai ganhou e a mãe ficou sem sentar direito por uma boa semana.
Daí em diante o Lotérico tava jurado a ser apostador, acho que o nome dele foi decidido numa aposta também, mas isso é outra lenda e essa eu desconheço.

Menino foi crescendo e a sede de apostas crescendo junto, só que ninguém sabia, afinal na infância era fácil disfarçar. Jogava bolinha de gude, batia figurinha, rodava pião, jogava bola, polícia e ladrão, esconde-esconde, tudo apostado e quem perdia pagava prenda, lanche na escola, coca-cola, perdia figurinha e pião.
Uma vez, quando Lotérico tinha lá seus 6 anos ele desafiou o moleque da rua de trás, um brutamontes de uns 9 anos, para uma partida de bafo. Só valia as figurinhas raras e só terminava quando alguém fosse rapelado. Foi uma disputa acirradíssima, ficaram uma tarde toda naquilo e atraiu tanta atenção por causa da vibração dos outros garotos que dizem que ao final até a mãe do Lotérico estava com um pom-pom em cada mão pulando e torcendo pela vitória do filho. Terminou que Lotérico venceu o brutamontes e foi aclamado. Dizem que a mãe dele enquadrou a última figurinha que o filho ganhou naquela aposta e dizem também que essa história é contada de geração em geração de novas crianças da cidade.

Anos depois, ganhando fama em suas apostas, Lotérico chegou à adolescencia e à tal da puberdade. Época difícil mesmo com a fama que ele tinha. Sabem como é, corpo mudando, crescendo barba e aparecendo espinha a dar com pau e até nisso ele apostava. Era quem tinha mais espinha, mais pelo no suvaco, no peito, pé maior e por ai vai. A disputa pra ver quem seria o primeiro dos garotos da 5ª série a gozar foi assunto por meses a fio. Cada banho dos moleques demorava 40 minutos e olha que eram 3 banhos por dia, religiosamente. Pra ganhar tinha que levar a prova num potinho e mostrar pra todo mundo, se tentasse fraudar a aposta tava fora. Adivinha quem ganhou? Pior que isso foi a forma como ele ganhou. Banheiro da escola, depois da aula de educação física e ele mandando ver no chuveiro, quando terminou ele simplesmente gritou "Venci!" e todos os moleques do 5º ano correram pra ver a façanha de perto. Ficaram abismados com a conquista e com a herança que o pai de Lotérico havia deixado pro filho.

Daí a fama do Lotérico disparou até as salas mais velhas da escola. O moleque bem dotado da 5ª série que manda ver no banheiro do colégio. Virou sensação de vez. Ia embora de mãos dadas com as garotas mais bonitas de cada ano, trocava quinzenalmente de par e assim foi, ano após ano. Chegou nos ginásios da vida, lá pelos 17 ou 18 anos e ainda era sensação. Cada época surgia uma aposta nova com os outros rapazes. Nem preciso dizer que ele ganhou a aposta sobre quem perderia a virgindade primeiro.

No ginásio, depois da aposta da virgindade, ele começou a apostar com as garotas também. Era beijo, abraço, cheiro no pescoço, mordida na orelha, amasso no carro e outras coisas mais que mãe nenhuma gostaria de saber que suas filhas estavam apostando. Ele ganhava, ele perdia, mas era tudo lucro. Os outros rapazes queriam ser ele, ou pelo menos igual a ele, mas ninguém tinha a malícia necessária. Lotérico era sensação.

Descobriu a loteria federal e começou a fazer fortuna, os casinos eram paradas obrigatórias, caça-níqueis, jogo do bicho, roleta de quermesse, campeonato de futebol, vôlei, tênis, natação, bocha, sinuca, ping-pong, futebol de botão, apostava em tudo o que podia, vivia disso naquela época. Ele até se casou, tinha uns 24 anos por aí, ganhou a esposa numa aposta. Tinha sido convidado para um pôquer com uns ricaços da cidade, um deles, o mais rico e orgulhoso, depois de ter perdido todos os dinheiros do bolso decidiu apostar a mulher - uma beldade de quase 30, olhos pretos que nem jabuticaba na pele morena, coxas bem servidas, seios fartos e curva pra lá e pra cá - em dois pares, 8s e damas. Ficou desolado o coitado quando Lotérico abriu na mesa o full house de 10 e ases. Quem tava presente naquele dia diz que a mulher abriu um sorriso de orelha a orelha quando sentou no colo de seu novo homem.

Casaram-se sem apostas, por incrível que pareça, e foram felizes. Tiveram dois filhos, um menino e uma menina, esses foram cercados de apostas, do nome à cor do quarto. Saíram com a sorte do pai, mas sem o gosto para as apostas. Dizem que o menino puxou o pai em tudo e a menina puxou à mãe. Eram eles os alvos das apostas desde sempre, talvez por isso os próprios não apostavam nada. Ou por trauma também.

Lotérico andava por uma estrada numa noite de lua clara no céu. Era tarde da noite, voltava sozinho do cassino e no meio do caminho encontrou com um ser sentado em uma pedra. Usava capa preta com capuz, roupa clássica da Dona Morte, ela tinha decidido não inventar no modelito aquele dia. Chamou Lotérico pra conversar e propôs um joguinho de cartas, ali mesmo, na pedra ao lado da estrada. Lotérico, mesmo sabendo que jogava com Dona Morte não resistiu ao vício. Era pôquer clássico, nada de Texas Hold'Em, sete vidas cada um, Lotérico ganhasse e podia viver até dizer chega, Dona Morte ganhasse e Lotérico encerrava as apostas ali mesmo, com 42 verões vividos.

Foi mão pra lá, mão pra cá, vida que vai e que volta. Lotérico tinha 3 vidas sobrando ainda, na mão um par de valetes, um par de seis e um ás, pediu uma carta, veio outro 6. Decidiu jogar quieto, Full House feito, tinha ganho sua mulher assim e foi umas das melhores coisas que fez na vida, talvez desse certo de novo. Dona Morte pediu duas e apostou exatas 3 vidas. Lotérico nem pestanejou pra pagar, ALL IN. Cartas na mesa. Quadra de damas. Lotérico ainda pediu, como último favor, a chance de ir até sua casa se despedir. Entrou e depois que saiu, ninguém mais viu.

Lotérico, o homem que aprendeu da pior maneira que não se deve apostar cartas com a Dona Morte.

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