16 de set. de 2010

Num bar

Escrito por Fabs.

Era um domingo a tarde, fazia um puta sol la fora, um calor do cão.
Entrei no bar, um boteco simples, inteiro fechado, bem americano mesmo. A porta tava aberta pra espremer alguma brisa para dentro do ambiente, não que houvesse muita. Era escuro la dentro, meus olhos demoraram um bom minuto para se ambientarem e quando conseguiram visualizaram toda a extensão do lugar. Era pequeno, com uns dois ventiladores rodando desesperadamente no teto, um balcão e uma mesa de sinuca nos fundos. No balcão, com uns 8 bancos de extensão, tinham uns três caras sentados com intervalos de dois bancos entre um e outro, o mais próximo da porta era um cara velho sentado no terceiro banco do balcão.

- E ae, posso me sentar aqui?
- Contanto que não queira sentar aqui para dar em cima de mim, tudo bem.

E assim sentei-me ao lado do velho.
Ele estava curvado, cotovelos no balcão, um copo de whisky e uma cerveja estavam situados lado a lado sobre o balcão, na frente dele. Era velho, com uns 60 ou mais, barba bem por fazer, o cabelo já meio branco estava penteado para trás. Ele era enrugado mas eu não sabia distinguir as rugas dos vincos da concentração pesada que ele estava aplicando em seu copo. Nunca uma dose de whisky me pareceu tão importante.

- Tempo quente né?
- Pra cacete.
- Mas nada que uma cerveja bem gelada não resolva....
- Falei para não dar em cima de mim, porra.

Ele falava sem tirar os olhos do copo, a voz era grossa e saia num desinteresse calmo. Ele parecia ter saído de algum livro, de fato até acho que já li algo parecido com ele de alguma forma.

- Me chamo Fabricio.
- Tá.
- Se importa de me dizer seu nome?
- Sim.
- Muito?
- Uhum.
- Então tá. Aí, me dá outra cerveja por favor.

O cara do bar veio com a nova cerveja, pegou minha garrafa vazia e voltou pra outra ponta do balcão onde mantinha uma conversa animada sobre futebol com um outro velho. De onde eu estava conseguia ouvir a conversa toda, falavam sobre a classificação do campeonato depois das últimas rodadas.

- Curte futebol?
- Cara, você não vai parar de me amolar né?
- Na verdade não estou fazendo de propósito. Por algum motivo você me parece conhecido.
- Nunca te vi.
- Não vai mesmo me falar teu nome?
- Porra! Me chama de Buk.
- Buk?! Tá, Buk.
- Só porque te disse como me chamar não significa que pode ficar repetindo como um papagaio.

Buk parecia realmente saído de um livro. Não me lembrava de personagem algum naquela hora, mas aquela cara enrugada dele e o jeito meio maldito me eram familiares. Buk continuava fixado em seu copo e na garrafa de cerveja ao lado.

- Tem fogo?
- Não, nem fumo.
- Porra, que cara inútil você, além vir encher o saco das pessoas não tem nem fogo. Como é teu nome mesmo? Fernando?
- Fabricio.
- Tanto faz. Não tem fogo mesmo?
- Não, nem fumo, já disse. O que você faz da vida?
- Fodo.
- Fode? Só isso?
- Não, deixo que me chupem também. Você deveria fazer isso também, deixar alguém te chupar pra ver se sossega.

Duvido que um cara daqueles fodia alguém.

- Eu estou na faculdade ainda.
- Não me importo.
- E costumo escrever alguns textos também, queria publicá-los de verdade.
- Quer ser escritor?
- Talvez
- Tem disposição para se ferrar e passar tardes de domingo bebendo em bares?
- Bem, bebendo num bar numa tarde de domingo já estamos, não é?
- Você é um bebê chorão, está aqui por causa do calor. Pra escrever de verdade tem que se habituar a vir aqui dia após dia.

De repente ele tinha ficado sério, me dava atenção.

- Todos só vão te ferrar garoto. A máquina não vai bater e o que sair dela não vai prestar praqueles fodidos que só querem vender. Já se foram os tempos da literatura de verdade, dos poemas que prestavam, hoje em dia são todos uns vendidos. E se quiser mesmo ser escritor, os vendidos vão te esmagar. Por isso vai viver de porre em porre, de bar em bar.
- Mas ainda existe boa literatura.
- É talvez, mas é um livro de poemas em uma estante inteira que é capaz de prestar. Só que saiba que esse livro nunca será o seu, porque o seu não vende e por isso não compensa a publicação. Daí você vem parar no bar.

Ele parou, pediu outra cerveja e whisky e finalmente acendeu seu cigarro, o cara do bar tinha fogo e foi xingado de "viado" por não ter dito isso antes.

- E não pense que você vai foder alguém. Você não vai ser estrela de porra nenhuma. Nem no meu auge eu fodia mais que umas gordas por ai, se bem que até gostava delas.
- Seu auge? Então você é escritor!
- Não, sou bailarina clássica. Claro que sou escritor porra. Acha que estaria te dando lição sobre ser escritor se não fosse um? Idiota.

Pedi mais uma cerveja, eu estava atento ao que ele dizia e a cada palavra ele me parecia mais familiar. Buk.

- Com o tempo você vai se acostumar com as críticas e as babações de ovo, só não espere ficar rico.
- Nem com as publicações?
- Eles vão te adiantar uns 500 contos, se achar que ta rico com isso.
- Hm.
- Se quiser desistir ainda da tempo. É ingrato, por mais fodido que seja, você não vai parar depois de começar, ela te atrai, a máquina e depois quebra teu coração.
- Profundo.
- Por isso o bar.
- Faz sentido.
- Naquelas épocas eu ainda apostava nos cavalinhos, ajudava bastante. Hoje em dia não da mais, elitizou tudo.
- E o que faz agora?
- Fodo.
- Haha. Ta, tenho que ir agora.
- Boa sorte.

Levantei-me, paguei as cervejas e fui andando em direção a porta.
Dei uma última olhada na cara daquele velho safado, tinha sido um papo incomum que tivemos, engraçado por assim dizer. Um espécie de delírio cotidiano, dava até para parar num livro. Ele estava fixado no copo de novo, eu saí.

E foi assim que uma vez eu tomei uma cerveja com Charles Bukowski.

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