31 de ago. de 2010

XX: Transformando

Escrito por Fabricio Cantarella

Gabriele saiu sem sequer olhar para trás, sem sequer mostrar um traço de esperança em qualquer lugar de seu ser. Mais uma vez eu via uma pessoa saindo por aquela porta e levando minha vida junto, dessa vez sem bater de porta, nem gritaria, calmo por assim dizer, mas tão dolorido quanto. E agora eu via aqueles dias abomináveis voltando, podia vê-los se aproximando, será que eu não havia aprendido nada com a experiência anterior?

Voltei à cozinha e preparei o macarrão para dois, eu sabia que ela não voltaria atrás, mas eu ainda tinha esperanças de vê-la entrar novamente pela porta, sorrindo e perguntando se o jantar estava pronto. Fato que ela não entrou, jantei sozinho então. A garrafa de whisky sempre ao meu lado me consolava do jeito que podia, me deixando alto. Terminei de comer ou de chorar, não sei ao certo, e arrumei toda a bagunça da cozinha. Olhava para a porta de cinco em cinco minutos, mas nada mudava, apenas no nível da garrafa de whisky que abaixava cada vez mais.

Acordei com o sol em meu rosto, estava deitado no chão da sala, o copo meio vazio ao meu lado e a garrafa perdida em algum lugar por entre as almofadas. Levantei-me, zonzo ainda, e decidi encarar os fatos, manter a cara inchada de chorar e os olhos embaçados de álcool não ajudou da vez anterior e não iriam ajudar dessa também. Não havia perdido as esperanças de tudo voltar a ficar bem, mas também não tinha perdido o amor próprio que aprendi a ter desde a última vez.
Eu iria enfrentar tudo isso, iria brigar por Gabriele.

Fiz um café forte, tomei um banho gelado, coloquei minha camisa preferida e sai para trabalhar. Era uma segunda-feira de sol, céu aberto e poucas nuvens, não estava calor e nem frio, era um belo dia de primavera. Tinha projetos à terminar e estava disposto a fazê-lo.

- Andou bebendo ontem Chaz?, perguntou minha secretária.

Apesar de tudo, minha cara não negava e nem a dor de cabeça, mas meu estado de espírito sobrepujava meu estado físico.

- Tive motivos, mas ontem já passou. Recados?
- Não, ninguém ligou.
- Certo.

Minha voz saiu com um certo pesar que não consegui conter e que fez a secretária me olhar com curiosidade. Forcei um sorriso largo e entrei em minha oficina, acho que bastou. Passei as horas concentrado em uma escultura complexa que um cliente excêntrico havia encomendado. Um busto com vários detalhes intrincados que a mente dele havia pensado e as mãos, não se sabe como, haviam conseguido desenhar um rascunho perfeito. Cabia às minhas mãos então gravar aquilo tudo em pedra e, modéstia à parte, eu estava fazendo um bom trabalho. Minha mente estava leve naquele momento, meu coração ainda apertado, mas a concentração afastava os pensamentos de minha cabeça enquanto eu trabalhava. Mas só enquanto eu trabalhava.

Durante o almoço eu não pude resistir, senti o perfume de Gabriele em alguém que havia passado ao lado de minha mesa, meu coração pulou e a mão foi automáticamente ao celular e discou o número de Gabriele. Voltei à mim quando ouvi a chamada sendo encaminhada à caixa postal. Desliguei na hora, mas cinco minutos depois liguei novamente, conscientemente dessa vez. O mundo havia desabado sobre mim mais uma vez, eu não sabia ficar sem ela. Caixa postal de novo.

Era hora de levantar novamente tudo que havia desabado. Pedi uma dose de whisky, terminei meu almoço e me afundei nas curvas complexas daquela escultura. Fui bem pelo resto da tarde, mas sabia que a noite seria difícil assim como os dias que viriam, ainda mais quando se tem um celular incontrolável como o meu, que insistia em discar o número de Gabriele. Foram exatas dezesseis ligações em uma semana. Celular mal!

Lívia havia sumido também, não dava sinais de vida desde aquele sorriso enigmático enquanto sumia pelo corredor do meu apartamento. Não nego que esperei uma visita ou uma ligação dela nos dias que se seguiram aquela confusão, mas não houve nada, nem um sinal, eu não sabia se ficava feliz ou preocupado ... ou quem sabe triste.

Era como se eu estivesse indo de encontro a uma parede, batendo e voltando para então bater de novo e de novo e de novo por dezesseis vezes consecutivas em uma semana. Minha esperança era sempre afetada pelo som da ligação sendo encaminhada para a caixa postal, meu coração que batia forte enquanto o telefone chamava, se afundava em meu peito quando vinha aquela voz eletrônica me falar tudo o que eu não queria ouvir. Conforme os dias se iam minhas forças embarcavam junto, rumo ao nada, só que diferentemente dos dias que não deixam de voltar, minha esperança me abandonava de vez a cada vez. Ela disse que ligaria mas não ligou, ela disse que acreditava em mim, mas não me dava sinal agum que comprovasse isso. Porque ela não me atendia?

Eu estava bem, mas estava confuso. Não sabia mais em que ponto estava toda essa história, de uma hora para outra me vi perdido no meio de um oceano calmo demais, que não ia nem vinha, era apenas aquilo, silêncio, calmaria, passividade. E não importava quantas braçadas eu desse, nada mudava, nada saia do lugar, nada se mexia, só minhas forças que se esvaiam.

Era uma terça-feira da terceira semana, começo da noite. Eu estava embalando a escultura do cara excêntrico e preenchendo os papéis para enviar à transportadora no dia seguinte, eu estava bem naquele dia, mal havia tocado em meu celular, não tinha ligado para ela nem uma vez naquele dia. A secretária tinha ido embora.

- Gostei da escultura, tem um nome?

Olhei surpreso, era Lívia, ela estava sorrindo.

- Não, essa é para um cliente, a honra do nome é toda dele.
- Ah sim, faz sentido. Está livre hoje ou tem algum compromisso para agora?
- Não porque?
- Que tal um happy hour?
- Hm ... sim, aceito. É uma boa idéia.

E realmente, naquele momento, parecia uma boa idéia. Saímos juntos em direção à uns copos de chopp e eu me sentia bem.

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