26 de ago. de 2010

O homem perfeito

Escrito por Fabs.

Faziam alguns meses que já estava naquela prisão. Havia sido preso por bobagem, todos nós havíamos sido, a maioria havia roubado algo por necessidade ou tinha dirigido bêbado, ninguém era de fato criminoso, mas estávamos presos. Entrei lá por causa de uma briga de bar, um valentão quis encrencar dizendo que eu estava olhando para a mulher dele. Eu fui preso e ele parou no hospital por uns bons dois meses. E talvez eu até estivesse olhando a mulher dele, mas, quem sabe? Sei que ganhei uma sentença de um ano e meio de cadeia e a liberdade ainda tardaria a chegar quando, pelo bom comportamento, eu e mais três fomos recrutados em troca da liberdade.

"É simples", disse o agente que nos fez a proposta, "podem aceitar e sair daqui ou declinar e cumprirem o resto de suas penas. O que lhes ofereço é uma oportunidade de serem cobaias em um experimento novo. Uma simples injeção e então a liberdade." Logicamente aceitamos, o que sairia mais cedo de lá levaria no mínimo uns sete meses, trocar tudo isso por uma injeção de sabe-se lá o quê não seria de todo ruim.
Éramos eu, um cara muito forte que fora preso por não obedecer a mãe quando esta lhe disse para levar um blusa quando saísse e por isso fora obrigado a roubar um casaco de homem que passava porque estava muito frio naquele dia (que será referenciado como Sr. Desobediente), um nerd preso por hackear um site público (Sr. Hacker) e o Sr. Pensão, que adorava fazer filhos mas não gostava nem um pouco de sustentá-los. Fomos levados à enfermaria, onde nos disseram que seríamos monitorados por um tempo para analisarem os efeitos da fórmula e depois nos aplicaram a injeção, nada muito anormal à princípio, mas, quando estava saindo da enfermaria em direção à liberdade, vi algo que me deixou pensando. Na caixa de onde haviam saído as injeções tinha uma etiqueta na parte de trás, estava gravado em letras garrafais "PROJETO HOMEM PERFEITO - TESTES EM HUMANOS".

Aquilo era de fato estranho. Fiquei imaginando o que afinal poderia ser aquilo que haviam injetado em nós quatro, haviam se passado uns três meses e nada havia mudado. Uma mulher vinha todo dia ver como eu estava, mas nada de anormal havia acontecido comigo e pelas reações da mulher, com os outros também não. Começei a imaginar se o tal experimento havia falhado.
Mais ou menos no final do quarto ou quinto mês, depois que a mulher havia saído, eu sentei no sofá de casa, liguei a televisão e começei a zapear pelos canais, nada de muito interessante estava passando em canal algum, começei a me sentir incomodado, "porque afinal eu estava perdendo meu tempo ali? porque eu havia sido preso? tinha sido necessário brigar naquele bar aquele dia? o que eu estava fazendo de útil da minha vida? porque eu estava pensando tudo aquilo de mim mesmo?" Eu estava suado e ofegante, minha mente estava acelerada, meu coração se apertava e eu me desesperava mais a cada minuto.

Fui até o banheiro, abri a torneira e coloquei minha cabeça na pia, deixei a água gelada correr pelos meus cabelos e lavar meu rosto suado. Fiquei naquela posição uns cinco minutos e então me levantei, peguei a toalha e enxuguei meu rosto, quando pendurei a toalha e me olhei no espelho eu simplesmente ... não me reconhecia. Não conseguia distinguir de quem era aquele rosto moreno, de cabelo preto e olhos grandes que me olhava de volta. Eu era assim? Meus olhos eram duros assim? Minha expressão era vazia desse tanto? Para onde tinha ido aquela expressão triunfante, aqueles olhos confiantes que eu estava enxergando em minha mente?

Sentia os dias ficando mais longos e piores, sentia meu coração apertando e meu cérebro dilatando, eu não sabia mais quem eu era, eu via as coisas de um jeito mas agia de outro completamente diferente e me pegava me desaprovando a cada movimento. Eu me sentia mal, inútil, não me sentia ... perfeito. Perfeito! O noticiário da tevê me chamou a atenção então, eram exatos seis meses que eu recebera a injeção e entre as principais notícias estavam uma chacina, um suicídio e uma promoção extraordinária de uma funcionária de baixo escalão à presidência de um grande empresa. Sentei-me para assistir.

"Um homem armado entrou numa sala de cinema e atirou nos espectadores, 19 pessoas morreram e mais 32 ficaram feridas. Essas imagens são do assassino que, segundo um dos feridos, gritava muito enquanto atirava e dizia que não era ruim daquele jeito.", reconheci aquele homem na hora, era o Sr.Desobediente! Então mudou a notícia. "Um homem se matou ao receber uma notificação de pensão familiar. Em investigação à casa do suicida foram encontradas várias notificações de pensões. Um diário foi encontrado e várias páginas mostravam que o suicida não gostava do que fazia e dizia saber que podia ser melhor que aquilo." Sr. Pensão! E mais uma, "Um jovem rapaz, funcionário de baixo escalão de uma grande empresa foi subitamente promovido à presidência. Companheiros diziam que ele estudava muito e sempre foi extremamente dedicado." Sr. Hacker!

Desliguei a televisão e a mulher chegou. Perguntei a ela se ela havia visto o que havia acontecido, ela disse que sim e prosseguiu com a entrevista de sempre, como se nada daquilo fosse anormal. "Me diga o que era essa experiência! Eu vou morrer também?" Ela me olhou com um olhar curioso, "O que você vê quando se olha no espelho?"

O que eu via? Como ela sabia que eu via algo diferente?

Ela prosseguiu, "Foi injetado em vocês quatro uma combinação de células e genes cerebrais que simplesmente ativam seu subconsciente e te mostram o que você poderia ser e comparam esse modelo de 'eu-perfeito' com o que você faz de você mesmo. Em resumo, te mostra o que você é e o que poderia ser, daí as diferentes reações." Eu estava espantado, como não havia percebido aquilo? Mas então surgiu uma questão na minha cabeça: "Eu não fiz nada demais até agora, será que não funcionou direito em mim?"

Ela foi direta e reta. "Funcionou sim, o medicamento foi perfeito." Balbuciei um instável "Foi?", ao que ela respondeu "Sim, o medicamento só mostra o que as pessoas insistem em não querer ver, só mostra que elas tem potencial, acima da acomodação." Era uma coisa tão simples, que parece tão grande mas não é nem um pouco.

Ela continuou: "Só depende de você, sempre foi assim e sempre vai ser. Obrigado por colaborar, seus resultados foram importantes para nós."

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