28 de jun. de 2010

XV: Sofrendo

Escrito por Fabricio Cantarella

- Ok. Estou indo ai, agora!, eu consegui falar sobre o medo que me consumia.

Dois dias antes eu saboreava a felicidade. As coisas estavam complicadas, mas pareciam se acertar aos poucos, Gabriele viria me ver e estava grávida, eu tinha acertado algumas coisas na galeria e planejava mudar-me com Gabriele. Lívia não aparecia mais, não me deixava mais recados, não dava sinal algum para atrapalhar minha felicidade com o passado que ela insitia em manter vivo e me assombrando.
Mas então, dois dias depois, eu estava devastado novamente, as palavras da enfermeira ao telefone ainda ecoavam em minha mente enquanto eu colocava uma jaqueta e pegava minhas chaves:

- Gabriele sofreu um acidente de carro na estrada... e seu estado é grave.

O percurso até o hospital não foi demorado, havia pouco transito, mas eu estava tenso. Liguei o rádio para ouvir algo que talvez me acalmasse, não devia tê-lo feito, tocava Incubus, a exata musica que tocou naquele primeiro dia em que tomamos um café juntos no shopping, naquele dia em que reencontrei a felicidade nos lábios de Gabriele. Cheguei no hospital esperando por nada além de vê-la viva.

- Vim ver Gabriele...
- Seu nome por favor?
- Chaz.
- Um momento, o médico precisa conversar com você. Irei chamá-lo.

Eu precisava de um copo de água, minhas mãos tremiam enquanto eu aguardava o médico.

- Chaz? Sou o doutor Eduardo, precisamos conversar.

Ele tinha uma semblante calmo, devia ter por volta dos 50 anos, era grisalho e alto, com um porte atlético e algumas marcas da idade apareciam nas linhas em seu rosto. Os olhos eram negros, sustentavam um olhar firme de quem sabia o que estava fazendo e sua voz continha uma ponta de pesar embutida.

- Sim doutor.
- O acidente foi grave, ela perdeu o controle do carro e capotou algumas vezes, por sorte ela estava de cinto de segurança mas isso não a impediu de bater a cabeça uma vez. Fizemos uma tomografia e constatamos um trauma.
- E o bebê?
- Ela esta no início da gravidez, ainda não posso afirmar o que aconteceu ao feto, teremos que esperar alguns dias para descobrir.
- Eu posso ao menos vê-la?
- Ela esta em coma induzido, vamos deixá-la assim por uns dias, enquanto vemos a real gravidade disso tudo. Não indico vê-la agora, mas pode olhar para ela de fora do quarto...
- Eu quero, onde é?
- Venha comigo.

Ela estava linda, apesar dos arranhões e faixas que cobriam sua cabeça, Gabriele estava linda. E eu estava sofrendo. Fiquei encostado à parede de vidro do quarto, do lado de fora, chorando enquanto olhava para os olhos fechados dela, esperando o dia em que abririam, junto com aquele sorriso que me deslumbrava.

Os dias passaram, um, dois, três, quatro. No quinto dia Gabriele reagiu, os médicos disseram que a recuperação dela era boa e que o trauma era recuperável, talvez até sem sequelas. Não demorou muitos dias mais para tirarem ela do coma. Quando acordou, eu estava la e a primeira coisa que eu vi foram aqueles olhos, lindos e confusos.

- O que aconteceu?, ela balbuciou, a roz arrastada e rouca pelos dias em silencio.
- Você sofreu um acidente Gab.
- Desculpe-me Chaz, eu só queria me apressar para te ver.
- Não me peça desculpas, estamos juntos afinal.

Ela sorriu, e foi lindo. Mas então seu rosto se vincou novamente:

- E nosso filho?
- Sobre isso, - doutor Eduardo havia acabado de entrar no quarto - fizemos alguns exames para verificar a saúde do feto.
- E como ele está doutor?
- Bem, o cinto de segurança exerceu uma pressão muito forte sobre o ventre de Gabriele, e os exames foram inconclusivos, teremos que esperar e verificar as reações de Gabriele em tempo real.

O medo transpareceu no olhar de Gabriele naquele momento, e la permaneceu no passar dos dias, a cada momento, a cada mudança de posição, de sensação, o medo sempre estava presente nos olhos dela, deitada naquela cama de hospital. Os exames iam e vinham, resultados sempre iguais, inconclusivos.

Porém, o que não foi inconclusiva foi a contração que Gabriele sentiu umas duas semanas depois do acidente. Ela acordou gritando, assustando a mim e às enfermeiras que passavam na frente do quarto, elas correram para ajudá-la:

- O que está sentindo?, uma das enfermeiras perguntou.
- Dor, muita dor! Na barriga!, Gabriele gritava.
- Doutor Eduardo, emergencia no quarto 323!
- Vai ficar tudo bem Gab...

Meu incentivo foi categoricamente destroçado pelo médico minutos depois.

- Gabriele, você sofreu um aborto.

O grito de dor de Gabriele encerrou o primeiro dos erros cometidos naqueles 5 minutos após o telefonema de algumas semanas atrás, e o segundo erro não tardaria a aparecer.

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